domingo, 10 de setembro de 2023

Bárbaros - dicas de interpretação e role-playing

Bárbaros, em jogos de RPG de fantasia medieval, são geralmente considerados uma classe simples em termos de interpretação de personagens, uma vez que a maioria dos jogadores os vê como a classe ideal para aquele jogador que só está interessado em rolar dados e matar oponentes sem se preocupar com outras coisas, o típico brutamontes burro e primitivo que só brilha durante um combate.

Originalmente o bárbaro entrou no AD&D e nos demais RPGs de fantasia medieval inspirado em personagens da literatura fantástica, principalmente Conan (de Robert E. Howard), Fafhrd (de Fritz Leiber) e Thongor da Lemúria (de Lin Carter). Apesar de serem considerados bárbaros, esses personagens estão longe do estereótipo do selvagem primitivo e estúpido que vemos em muitas mesas de RPG. 

Não que haja nada de errado em interpretar um personagem bárbaro dessa maneira. Porém, inspirar-se nos personagens literários que, por sua vez, inspiraram a classe ou arquétipo de personagem pode criar uma experiência muito mais rica para o jogador e os demais membros de seu grupo. 

Abaixo, estão algumas sugestões que podem enriquecer ainda mais a interpretação de um personagem bárbaro em uma mesa de RPG:

 

O estranho em uma terra estranha

Esse é um tema bastante comum com heróis bárbaros da literatura fantástica, e uma situação muito comum a quase todos eles: o personagem é oriundo de uma terra selvagem, inóspita e hostil, onde precisa lutar diariamente por sua sobrevivência, seja contra monstros e humanóides ou contra nevascas e secas. De repente, por alguma situação alheia à sua vontade, ele se vê transportado para uma terra civilizada, onde cultura, costumes e idiomas são completamente diferentes. 

O personagem se torna um "peixe fora d'água", e precisa se adaptar às novas circunstâncias se quiser sobreviver. 

O grau de estranhamento do PC, neste caso, varia de acordo com o contato que seu clã ou tribo tem com o mundo civilizado. Um personagem oriundo de uma sociedade verdadeiramente primitiva, com um nível tecnológico muito inferior à qual se encontra atualmente, terá mais dificuldade em se adaptar. 

Porém, se a sociedade bárbara conhece o mundo civilizado, a adaptação poderá ser mais tranquila - por exemplo, se a tribo ou clã tem contato limitado com outras pessoas, o PC pode até conhecer algum idioma além do seu próprio. Mas, mesmo nestes casos, as sociedades bárbaras costumam se manter isoladas ou semi-isoladas por algum motivo. Talvez eles desprezem a vida decadente dos humanos que vivem em vilas e centros urbanos, ou simplesmente não se sintam confortáveis longe dos membros de sua tribo ou clã. 

Outros dois pontos importantes que o jogador deve levar em conta são a questão do idioma e se a sociedade original do PC usa, ou sequer conhece, dinheiro. 

Quase sempre bárbaros são analfabetos, e quando falamos de "bárbaros" como uma classe de personagem, isso é uma restrição inerente à classe. Claro que isso depende muito do fato de quão alfabetizada é a sociedade na qual ele se encontra e, mais cedo ou mais tarde, o personagem pode até aprender a ler, mas até isso acontecer o Mestre deve certificar-se de que isso seja realmente uma restrição.

Outro ponto importante é a comunicação. O fato de que o bárbaro não sabe falar - ou fala muito mal - o idioma da região civilizada onde se encontra também deve ser levado em conta nas interações com outros PCs ou NPCs. Quase sempre seu vocabulário é limitado ou ele possui um forte sotaque.

Igualmente importante é se sua sociedade usa moedas ou pratica apenas o escambo - neste último caso, o personagem poderá ter dificuldade, pelo menos inicialmente, em entender para quê precisa "daqueles pedacinhos de metal brilhante para comprar uma espada" ao invés de simplesmente trocar o javali que ele acabou de caçar pela arma. 

Há outras maneiras de destacar essa sensação de deslocamento através da interpretação do personagem em situações quotidianas. Por exemplo, enquanto seus companheiros preferem dormir em uma cama quente em uma taverna, o bárbaro pode querer dormir no estábulo ou ao relento, exceto em condições climáticas extremas ("Prefiro dormir sob as estrelas do que sob um teto"). Ele também pode detestar comida muito temperada ou até mesmo bebidas alcoólicas, se não forem comuns em sua cultura.

Portanto, sentir-se um "estranho em uma terra estranha" é uma característica importante para a interpretação de personagens bárbaros, e aquilo que os diferencia de outros personagens marciais. Um bárbaro que tenha se adaptado e esteja completamente integrado ao mundo civilizado não é diferente de qualquer outro guerreiro. 


Tabus e superstições

O fato de nascer em uma sociedade tão diferente e distinta faz com que o personagem desenvolva vários hábitos e crenças que podem ser vistas como superstições por outros personagens civilizados. Esses traços de personalidade servem para enriquecer a interpretação do PC e podem até mesmo levar a interações singulares entre os jogadores e seus personagens. Cabe ao Mestre decidir se quebrar qualquer um destes tabus terá algum efeito deletério ao personagem. Exemplos de tabus e superstições incluem: 

Só comer a carne que ele próprio caçou; 

Sempre carregar consigo um determinado item que considera uma de suas coisas mais importantes (um amuleto, a faca que seu pai usou para cortar seu cordão umbilical, etc.); 

Sempre retirar um "souvenir" dos monstros que derrotou em batalha (um dente, uma garra, um tufo de pêlos, etc.); 

Avistar determinados tipos de animais (gatos pretos, corvos, corujas brancas, cavalos cinzentos, etc.) é considerado sinal de mau agouro; 

Antes de cortar uma árvore ou caçar um animal ele faz uma oração pedindo permissão aos espíritos da natureza;

Após uma batalha suas armas devem ser lavadas e purificadas em água corrente (rio, riacho, cachoeira ou mesmo a chuva) pois, do contrário, os espíritos dos oponentes mortos vão assombrá-lo;

Ele nunca pode vestir roupas de uma determinada cor;

Ele não pode jamais cortar seu cabelo; 

Ele sempre deve honrar a hospitalidade de um anfitrião, do contrário poderá atrair uma maldição ou desgraça sobre si mesmo ou seu clã;

Ocasionalmente ele deve fazer algum tipo de oferenda ou sacrifício para seus deuses, totem ou ancestrais (comida, um animal que ele caçou, uma arma ou algum outro item valioso).


Código de honra

Muitos bárbaros possuem códigos de honra e moral pessoais pelos quais se guiam em praticamente todas as interações, mesmo que as pessoas ao seu redor não tenham quase nenhuma honra ou moral. Esse código pode ser tão estrito ou amplo quanto o Mestre e o jogador desejarem. Esse código pode incluir alguns, ou todos, os itens abaixo:

Coragem: o personagem não deve demonstrar medo e só pode fugir de batalhas que sejam impossíveis de vencer.

Honra: o personagem sempre mantém sua palavra e cumpre com seus contratos e alianças; ele não trai seus companheiros e trata oponentes honrados com o mesmo respeito que recebe; ele não tolera insultos à sua honra (ser chamado de covarde ou mentiroso, por exemplo), e pode reagir com violência quando insultado.

Força: o personagem não deve demonstrar fraqueza física ou moral, e deve ser resiliente e estóico, sempre. 

Veracidade: o personagem não mente e despreza mentirosos.

Hospitalidade: o personagem deve ser hospitaleiro e generoso com aqueles que estão em sua casa ou tenda, e deve respeitar aqueles que o receberam sob seu teto. Ele não permitirá que ninguém seja desrespeitoso com um de seus hóspedes ou com seu anfitrião.  

Proteção aos mais fracos: o personagem deve sempre proteger e respeitar os mais fracos, como crianças, idosos e mulheres (desde que elas não sejam guerreiras - mulheres guerreiras são tratadas exatamente como qualquer outro combatente). Violência contra eles é sinal de covardia e desonra. 

Comportamento em batalhas: varia muito com o alinhamento do personagem. Mas, em linhas gerais um bárbaro de alinhamento bom evitará utilizar táticas ardilosas em batalha e certamente aceitará a rendição de um inimigo. Note que isso não se aplica aos inimigos tradicionais de seu clã ou tribo, que devem sempre ser destruídos. 

Devoção: o personagem respeita e cultua seus deuses, ancestrais ou totem. Ele mostra respeito e reverência para com a religião de seus companheiros, exceto se esta for diametralmente oposta a seu alinhamento ou suas crenças - nenhum bárbaro de alinhamento bom aceitará cultos demoníacos ou sacrifício humano, por exemplo, e nestes caso é bem provável que ele combata ativamente tais abominações. 

Honestidade: o personagem despreza ladrões e jamais roubaria um item pessoal de outra pessoa, mesmo em situações extremas; pelo contrário, ele pode até surrar ou cortar a mão de um ladrão se pegá-lo no ato. Pilhar inimigos derrotados no campo de batalha, porém, é totalmente aceitável. Da mesma forma, em algumas culturas a formação de grupos para roubar o gado de tribos ou clãs rivais ou inimigos é considerado algo normal ainda que, na maioria dos casos, seja o equivalente a uma declaração formal de guerra.


Magia e magos

Em um mundo típico de fantasia, os bárbaros compreendem que existem dois tipos distintos de magia: a mais comum e aceita em sua sociedade, a magia concedida por seus deuses, ancestrais, espíritos da natureza ou totems a seus sacerdotes, druidas ou xamãs, e que eles vêem como uma força misteriosa e inexplicável mas, ainda assim, um fenômeno natural como o fogo, o vento ou um relâmpago, e que deve ser usada para cura, proteção ou para manter contato com o mundo espiritual.

O outro tipo é aquela empregada por magos e arcanistas do mundo civilizado, uma força sobrenatural e muito perigosa, que pode sair de controle e destruir não somente os que a manipulam, mas aqueles ao seu redor. De modo geral, bárbaros vêem magia arcana e seus usuários com desconfiança e receio. 

Essa visão de mundo se reflete em seu relacionamento com os demais companheiros de grupo que empregam magia. Clérigos, a princípio, são vistos com desconfiança, mas conforme o bárbaro compreende que seus poderes são uma dádiva das divindades a que servem, e são semelhantes aos de seus próprios sacerdotes e xamãs, ele tende a aceitar melhor o clérigo. 

Já magos, bardos e demais usuários de magia arcana, em um primeiro momento, são normalmente tratados com frieza, desconfiança ou indiferença, seja qual for sua atitude ou alinhamento. Ele resistirá a qualquer tentativa de amizade, e ainda que dificilmente ele use de violência ou ameaças contra os magos de seu próprio grupo, ele poderá ser rude ou ríspido - por exemplo, responder a suas perguntas de maneira lacônica ou sentando-se longe deles em um acampamento. Porém, com o passar do tempo, o bárbaro pode vir a respeitar o mago se este se mostrar um companheiro honrado e valoroso. Mas, mesmo assim, dificilmente eles se tornarão grandes amigos. 

Da mesma maneira, muitos bárbaros simplesmente se recusam a receber qualquer tipo de auxílio arcano. Por exemplo, um bárbaro jamais entraria na esfera de energia criada pela magia Leomund's tiny hut ou no portal criado por um rope trick, a menos que conhecesse muito bem - e confiasse plenamente - no mago que a lançou; mesmo assim ele ficaria inquieto e preocupado enquanto estivesse lá dentro, expressando seu desejo de sair o mais rapidamente possível. 

Note, porém, que essas são apenas sugestões e orientações. Cada caso é um caso, e o Mestre e o jogador devem trabalhar juntos para definir as atitudes do PC bárbaro com relação a magia. 

Com relação à posse e ao uso de itens mágicos, é aconselhável que o Mestre imponha alguma limitação de quantos itens mágicos o bárbaro pode possuir ou carregar consigo. Um máximo de quatro itens é o ideal, incluindo aí duas armas, um item defensivo (armadura, escudo ou braceletes) e mais um outro item diverso, que pode ser um amuleto, talismã, manto ou cinturão. O jogador deve ter bom senso e aceitar que um bárbaro jamais carregaria uma vasta gama de itens consigo, tampouco empregaria varinhas mágicas ou poções arcanas. Poções de cura e demais itens curativos, desde que feitos por magia clerical, porém, não possuem restrições.





 

 

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