quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Literatura

Desde os seus primórdios, o (A)D&D sempre teve forte influência da literatura fantástica. Muitos dos conceitos que hoje são imediatamente associados ao jogo – como as diferentes raças, tendências/alinhamento, mundos elaborados, criaturas fantásticas, etc. – foram inspirados, e às vezes plagiados, de diversos autores de fantasia.

Isso fica bem claro na primeira edição do Dungeon Master’s Guide, publicada em 1979, onde o autor, Gary Gygax, incluiu um apêndice com uma lista de livros e autores de Fantasia Épica e Espada & Feitiçaria que inspiraram o jogo e que poderiam servir de inspiração para os Mestres.

Para quem tiver curiosidade, este site traz uma cópia da lista.


Espada & feitiçaria - os primórdios

A 1ª Edição tem uma forte influência do gênero Espada & Feitiçaria, especialmente em seus primeiros anos. Esse estilo, do qual um dos maiores expoentes são as aventuras de Conan, o Bárbaro, escritas por Robert E. Howard, tem como características a ênfase na ação e aventura e a presença de elementos mágicos e sobrenaturais.

Embora isso possa definir a literatura de fantasia de modo geral, ao contrário da Fantasia Épica, os protagonistas de Espada & Feitiçaria tendem a ser amorais, dificilmente abraçando valores morais ou éticos absolutos; sua motivação normalmente é a busca pela riqueza ou a fuga de uma vida tediosa e medíocre - e mesmo quando um desses personagens age moralmente ou faz alguma boa ação, o faz de modo incidental à sua busca por fama, glória e fortuna - e seus conflitos tendem a ser mais pessoais.

Da mesma forma, as sociedades descritas pelos autores tendem a ser amorais ou decadentes – a cidade de Lankhmar, por exemplo, palco da maioria das aventuras de Fafhrd e Grey Mouser, é um antro de crime e corrupção; e os reinos civilizados encontrados por Conan em suas andanças são, com raras exceções, decadentes e corruptos.

É daí que vêm muitas das características da Velha Escola do RPG: aventureiros em busca de tesouros e fama (e o modo mais rápido de conseguir ambas as coisas é explorando masmorras esquecidas, derrotando os monstros que lá habitam e saindo com a burra cheia de moedas de ouro), ameaças e conflitos regionais, e uma certa ambigüidade moral dos PC’s.

Esses elementos estão presentes não somente nas aventuras do bárbaro cimério, mas nas obras de muitos outros autores de Espada & Feitiçaria que influenciaram a 1ª Edição, como:

Fritz Leiber, e as aventuras de Fafhrd & Grey Mouser em Lankhmar
Michel Moorcock, e a série Elric
Karl Edward Wagner, e a série Kane
Clark Ashton Smith, e série Zothique
Lin Carter, particularmente a série Thongor


Fantasia épica - a segunda fase

Com o início dos anos 80, uma nova geração de designers chegou à TSR, editora que publicava o AD&D, e ao contrário de Gygax, Arneson e Blume, essa "nova geração" trouxe consigo uma nova influência literária nos cenários e aventuras publicados para o jogo: a Fantasia Épica.

Uma das maiores fraquezas do AD&D até então era a falta de um cenário de campanha mais elaborado. Embora fosse o sistema mais popular entre os jogadores, não havia nenhum cenário comparável ao de jogos como Chivalry & Sorcery, Glorantha ou Empire of the Petal Throne (o fantástico mundo de Tekúmel, do professor M.A.R. Barker).

O primeiro cenário oficial de AD&D foi Greyhawk, criado por Gygax e palco da maioria das aventuras oficiais do jogo desde o lançamento do D&D original. Porém, o cenário, seus reinos e geografia só começaram a ser descritos com mais detalhes em uma série de artigos publicados na Dragon Magazine a partir de 1979. No ano seguinte, um suplemento detalhando o cenário foi lançado (e depois relançado em formato caixa, com mais detalhes, em 1983). Embora o mundo de Oerth, oferecesse um cenário incrível e divertido, infelizmente nunca se tornou muito popular, e foi deixado de lado após Gygax deixar a TSR.

Isso mudou com a publicação da linha Dragonlance em 1984, composta por uma série de módulos de aventura e romances de fantasia. Capitaneado por Tracy Hickman e Margaret Weis, Dragonlance era um universo compartilhado, ao contrário de Greyhawk, que trazia muito da visão particular de Gygax. Em sua criação participaram nomes de peso, como Roger E. Moore, Douglas Niles e John Terra, entre outros.

Todos esses designers tinham em comum, além da paixão pelo jogo, o gosto pela Fantasia Épica, subgênero da literatura fantástica que voltou a ganhar popularidade na década de 1960. A obra mais famosa desse gênero, ou pelo menos uma das mais conhecidas, é O Senhor dos Anéis, escrito por J. R. R. Tolkien.

Além de Tolkin, podemos citar como outros grandes autores de Fantasia Épica e suas obras:

C. S. Lewis e suas Crônicas de Nárnia
Robert Jordan e a série The Wheel of Time
Roger Zelazny e a série Amber
Terry Brooks e a série Shannara
Jack Vance e sua saga arturiana The Lyonesse Trilogy
Anne McCaffrey e as trilogias Dragonriders of Pern

Normalmente, obras de Fantasia Épica possuem enredos grandiosos e abrangentes. O conflito entre o bem e o mal é um tema importante em muitas delas, e seus protagonistas são nobres e heróicos, dispostos a sempre fazer aquilo que é certo em nome de um bem maior. O conflito externo contra antagonistas malignos e a objetividade moral e ética são características sempre presentes.

Elementos fantásticos e sobrenaturais, como elfos, anões, fadas, dragões, buscas heróicas e missões épicas são mais proeminentes do que no gênero Espada & Feitiçaria – onde o sobrenatural tem caráter mais sutil – e os mundos e cenários onde se passam as histórias são incrivelmente detalhados em todos os seus aspectos, desde a geografia e lingüística até a religião e política.

Para quem conhece Dragonlance – pelo menos a trilogia original – é fácil identificar muitos desses elementos. Com o sucesso estrondoso do cenário, tanto dos módulos quanto dos romances no início da década de 1980 e a saída de Gary Gygax da TSR 1985, a maior parte dos cenários e aventuras de AD&D passou a seguir uma linha mais épica.

Essa tendência se consolidou em 1989 com a publicação da 2ª Edição do AD&D, que trouxe junto consigo diversos cenários fantásticos e épicos, que tinham todas as características da Fantasia Épica; até mesmo cenários que foram originalmente criados com características de Espada & Feitiçaria (como Greyhawk e Mystara) posteriormente foram revisados, assumindo um tom mais épico.

Bizarrices do Blogger

Por alguém motivo estranho, dois posts que fiz anteriormente sobre literatura desapareceram. Vou postá-los novamente na seqüência, em um único post.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Forgotten Realms - uma nova perspectiva



Quem jogou AD&D na década de 90 deve se lembrar da onipresença de Forgotten Realms. Posso afirmar que praticamente 75% das campanhas de grupos que utilizavam os cenários da TSR eram ambientadas em Faerûn, e quem nunca jogou neste cenário (há alguém?) certamente conheceu alguém que jogou. E tentar encontrar um grupo que preferisse Dragonlance ou Greyhawk era uma missão árdua.

Como sempre fui do contra e achava – e ainda continuo achando – que quase “toda unanimidade é burra” (há exceções), na época eu odiava Forgotten Realms. Não somente pelo fato de ser uma unanimidade entre os jogadores, claro, mas porquê o cenário apresentava graves defeitos: a religião não fazia sentido; a geografia não fazia sentido; havia características da Renascença e Era das Explorações convivendo com a Alta Idade Média ou a Antigüidade; o mundo estava cheio de NPC ultra-poderosos, que não passavam de um bando de “Mary Sues” literárias; a magia era banal; os vilões eram cartunescos e ridículos; sem falar de Elminster, que nunca passou de uma cópia cretina de quinta categoria do Gandalf. Para mim a popularidade do cenário era devida ao infinito número de suplementos e romances publicados, e não necessariamente à sua qualidade.

Quase tudo em Forgotten Realms me incomodava de um modo ou de outro. É verdade que havia algumas idéias e conceitos que eu achava geniais espalhados pelo cenário – mas, no geral, estavam enterradas em meio a um monte de bobagens.

Porém, ano passado tive a possibilidade de ler o primeiro cenário de campanha de Forgotten Realms, a famosa “caixa cinza”, publicada em 1987, ainda na 1ª Edição do AD&D, cuja capa ilustra este artigo. E, acredite ou não, mudei minha opinião – pelo menos em relação ao conceito original dos Reinos Esquecidos.

A campanha descrita na caixa cinza ainda estava fortemente ligada à visão original de seu criador, Ed Greenwood, que inicialmente concebeu Faerûn como um cenário fantástico com muitos portais mágicos que davam acesso a outros mundos, incluindo a Terra, e cujas lendas e mitos influenciaram (e, por sua vez, foram influenciados por) lendas e mitos desses mundos. Com o passar do tempo, esses portais foram evanescendo, e este mundo foi "esquecido" por nós. Daí o nome "Reinos Esquecidos".

Além disso, esta versão de Forgotten Realms não traz nenhum dos vícios e defeitos do período pós “Guerra dos Avatares”, e em muitos aspectos é bastante similar a Greyhawk, ou mesmo Mystara. O cenário é apresentado na forma de uma enciclopédia, e as descrições de lugares não são tão minuciosas quanto nos suplementos posteriores mas, ainda assim, contém idéias criativas para alimentar diversas campanhas por várias sessões. A maioria dos NPC’s apresentados estão por volta do 9º nível – e os verdadeiramente poderosos, como Elminster, aparecem apenas como “parte do cenário”, e não como os super-heróis onipresentes que tiram os PC’s da ribalta. Os adversários e ameaças são interessantes, perigosos e atuam quase exclusivamente em escala regional.

Mais importante, o cenário da caixa cinza é apresentado como um lugar onde o mal espreita em cada canto e que, por isso, necessita desesperadamente de heróis, e não meros “aventureiros”. Em outras palavras, é um cenário muito bom para uma campanha de fantasia heróica que valoriza a exploração e o desenvolvimento do cenário pelo grupo.

Se você gosta de Forgotten Realms, e principalmente se você não gosta, faça um favor a si mesmo: ignore tudo o que foi publicado após a famigerada “Guerra dos Avatares”. Tente obter uma cópia do Forgotten Realms Campaign Set, a famosa caixa cinza. Leia o material sem preconceitos, e você descobrirá, como eu descobri, um grande cenário de RPG.

Quem sabe, você pode até mudar sua opinião.

Até a próxima,
Ricardo