quarta-feira, 28 de abril de 2021

Jogadores novos, jogos à moda antiga

 

"Você tem certeza que colocar sua mão aí é uma boa idéia?"

 

Desde o surgimento do movimento OSR ("old-school revival" ou "old-school renaissance", em bom português "renascimento ou retorno de jogos à moda antiga") em 2008, mais e mais grupos de RPG têm buscado conhecer jogos antigos ou que emulam "a maneira de jogar RPG à moda antiga". 

Não vou entrar em detalhes agora sobre o que caracteriza um RPG à moda antiga, pois já fiz isso em uma postagem anterior.

O intenção desta postagem é outra: oferecer a jogadores que não estão acostumados aos paradigmas dos jogos "das antigas" algumas dicas de sobrevivência, bem como ressaltar as diferenças entre jogos que seguem a tradição OSR e os que adotam designs mais modernos.

Seu PC pode fazer (quase) qualquer coisa. Uma das coisas que notei com jogadores que começaram a jogar D&D a partir da 3a edição, ou que começaram no hobby com jogos simulacionistas (como GURPS), nos quais tudo deve estar especificado e quantificado na planilha, é que muitos ficam presos apenas ao que está descrito na planilha. 

Em um RPG o único limite de um personagem é a imaginação do jogador. Ele não precisa ter uma perícia ou talento específico para saltar sobre uma fenda no chão, para imobilizar um oponente ou empunhar uma espada em combate. Essas habilidades podem facilitar a ação, mas de forma alguma vão limitá-la. 

Por sua vez, um bom Mestre dificilmente vai dizer a um jogador "seu personagem não pode fazer isso". Pelo contrário, ele vai analisar as probabilidades de sucesso da ação, aplicar os modificadores adequados e pedir ao jogador que faça um teste ou descreva sua ação em detalhes. No máximo, ele vai aconselhar o jogador, dizendo que "é uma ação bastante arriscada", "que a chance de sucesso é ínfima" ou que "é uma manobra suicida". 

A única coisa que realmente um PC não consegue fazer é duplicar certas habilidades - lançar uma magia se não for um mago, lutar bem com uma espada sem treinamento adequado ou sair voando se não tiver esse super-poder.

 

Seu personagem não é um super-herói invencível. Pelo menos não no início da campanha. Ao contrário de jogos modernos, em que personagens iniciantes são quase indestrutíveis, possuem pontos de vida iniciais na casa dos dois dígitos (pelo menos) e têm listas imensas de poderes e habilidades especiais, nos jogos à moda antiga a sobrevivência dos personagens iniciais não se limita às habilidades e perícias elencadas em suas planilhas, mas também dependem das habilidades dos seus jogadores. Rapidez de raciocínio, adaptabilidade e criatividade são essenciais para que um PC sobreviva além das primeiras sessões de jogo.

Tática, estratégia e trabalho de equipe também são essenciais. Ao contrário das edições de D&D publicadas após o ano 2000, em que as características e peculiaridades de cada classe ficaram menos claras, no AD&D e no D&D Clássico as classes são definidas praticamente como arquétipos da literatura de fantasia, suas habilidades se complementam e compensam as limitações dos demais personagens. 

Aliás, vale ressaltar: é provável que seu personagem morra cedo. Jogos à moda antiga tendem a ser mais letais, simplesmente porque, como disse acima, inicialmente os PCs tendem a ser mais fracos se comparados a jogos modernos. 

 

Saiba a hora certa de lutar e de fugir. Ao contrário do que ocorre nos jogos modernos, encontros, armadilhas e combates não são necessariamente equilibrados com o nível dos personagens. Nem sempre será possível sair de uma situação adversa através de combate, e muitas vezes as habilidades dos personagens não serão suficientes para superar um desafio ou obstáculo. 

Além de empregar suas habilidades pessoais e o trabalho de equipe, os jogadores devem saber que, em alguns casos, será necessário empregar uma retirada estratégica. 


Controle seus recursos e suprimentos com sabedoria. O gerenciamento dos recursos é parte essencial dos jogos à moda antiga. Preste atenção nas munições, rações, poções e suprimentos do grupo. Não esqueça de fazer a manutenção diária dos equipamentos dos PCs em seu tempo livre (armaduras e armas, sejam espadas ou rifles automáticos). Esteja atento às regras de recuperação de pontos de vida ou vitalidade dos personagens, e lembre-se que não há "healing surges" e a recuperação natural de hit points é muito mais lenta e leva vários dias; se estiver com pressa, use magia ou poções.

Isso inclui, também, as magias dos magos, feiticeiros e clérigos. Não me refiro apenas ao sistema utilizado no jogo (memorização, preparação de magia, pontos de mana, etc.), mas sim quais magias preparar. Um clérigo que utiliza unicamente magias de cura em detrimento de outras magias importantes de seu arsenal místico está desperdiçando todo o potencial da classe de personagem.


Faça uso de aliados. Muitas aventuras antigas descrevem um número mínimo bastante alto de personagens. Dwellers of the Forbidden City recomenda de 6 a 8 personagens, e The Isle of Dread sugere um grupo de 6 a 10 personagens. 

Isso acontece por vários motivos. O principal é permitir seu uso em torneios e convenções, onde é muito mais fácil reunir um grupo grande de jogadores. Mas em grupos menores nem sempre havia tantos jogadores disponíveis. A solução era contratar ou procurar NPCs que complementassem o grupo, os aliados (henchmen and allies, no original). Esses personagens tinham seu controle compartilhado entre o Mestre e um dos jogadores, e não apenas complementavam as habilidades faltantes no grupo e permitiam uma maior variedade de estratégias, como também serviam como reservas, caso um dos PCs morresse durante a aventura.

Muitos jogadores também viam as aventuras como verdadeiras expedições, e além dos aliados traziam consigo grupos de serviçais para realizar uma série de tarefas triviais: escudeiros, cavalariços, cozinheiros, carregadores, pajens, armeiros, condutores de carroça, lacaios, médicos, etc. Porém estes NPCs jamais entravam em combate ou participavam diretamente da aventura, sendo contratados apenas para prestar seus serviços aos personagens. 

Além dos aliados e serviçais, era comum fazer uso dos serviços de especialistas, que incluíam normalmente magos, sábios e contatos, cujos serviços não eram baratos. 

Personagens com habilidades mágicas (magos e clérigos) são normalmente contratados para identificar ou fabricar objetos mágicos, curar os personagens, remover maldições, fabricar / vender poções, ou ensinar magias aos PCs. Não raro, em troca de seus préstimos eles exigiam somas vultosas ou que o grupo realizasse alguma missão.

Sábios são consultados sempre que os PCs têm dúvida em alguma área específica de conhecimento. "Como fechar o portal mágico do Castelo Negro?", "Quem foi o primeiro Rei de Teléria?", "Qual é a fraqueza principal de um tana'ri?", "O senhor sabe traduzir Neterílio antigo?" Nem todo sábio entende de tudo, e seus campos de atuação tendem a ser bastante específicos, como História Antiga, Idiomas Arcaicos, Estudos dos Planos de Existência, etc.

Já os contatos, mais comuns em jogos com cenários de ficção-científica, servem para fornecer informações essenciais aos PCs, desde "onde podemos conseguir uma nave veloz para a Orla Exterior?" até "quais gangues atuam no setor controlado pela Aztechnology em Denver?"


A árvore genealógica do seu PC não me interessa. Como mestre, hoje em dia eu simplesmente detesto históricos de personagens longos e elaborados. Quanto mais simples, melhor - até mesmo porque a chance de seu PC iniciante ser morto pela flecha de um hobgoblin ou dissolvido por um green slime são grandes, e aí todo seu esforço será desperdiçado. Mantenha seu histórico simples. Um parágrafo de algumas linhas com antecedentes simples, motivação e informações básicas sobre a família do PC são mais que suficientes.