sexta-feira, 2 de março de 2012

Monges (Parte I)

A classe de personagem conhecida como “monge” existe no (A)D&D desde sua primeira edição, estreando no suplemento Blackmoor. Ela foi descartada na segunda edição como classe de personagem – embora tenha sido reintroduzida no livro Player’s Options – Skills & Powers como uma subclasse opcional dos clérigos.

Nas edições posteriores, voltou com força total. Mas de onde veio o “monge”?

Essa classe foi criada por inspiração da febre dos filmes de kung-fu que permeou praticamente toda a cultura pop dos anos 70. Essa onda começou no cinema, com filmes como A Fúria do Dragão (Bruce Lee, 1972), Operação Dragão (Bruce Lee, 1973), Shaolin Temple (Shaw Bros. Studios, 1976); chegou à TV com a série Kung-Fu (com David Carradine, 1972-1975), que fez grande sucesso no Brasil; produziu várias séries literárias, sendo a mais popular The Destroyer, de Warren Murphy e Richard Sapir (que foi adaptada em 1985 como o filme Remo – Desarmado & Perigoso); e influenciou até mesmo a música pop – quem nunca ouviu Kung-Fu Fighting (1974), de Carl Douglas?

Portanto, com tanta gente dando voadoras, quebrando tijolos com as mãos e baixando o cacete na telona e na telinha, não é de se espantar que a figura do Monge Shaolin tenha chegado também aos RPG mais famoso da década de 1970 por meio de Brian Blume, um dos mais prolíficos designers da TSR à época.

Para mim, no entanto, a presença de um monge lutador de kung-fu em um cenário de fantasia medieval “tradicional” sempre me pareceu no mínimo bizarra ou forçada. Que raios faz um artista marcial em cenários de campanha inspirados na Europa Medieval ou Renascentista? Não tem a mínima lógica.

“Ah, Ricardo, você está sendo cri-cri”, alguém irá dizer. Pode ser. Mas quando penso em “monge medieval” eu penso no Frei Tuck, no Irmão Cadfael, em Guilherme de Baskerville, ou até mesmo em grandes figuras históricas, como São Beda, o Venerável; São Columba ou São Bento de Núrsia.

Tradicionalmente, durante a Idade Média, os mosteiros no ocidente funcionavam como centros missionários e de saber – muitos mosteiros medievais conservavam e copiavam manuscritos antigos, textos religiosos e Bíblias, e possuíam grandes bibliotecas, algo particularmente comum na Irlanda e Gália (q.v. Como os Irlandeses Salvaram a Civilização, de Thomas Cahill).

Os monges da Europa Ocidental medieval, além de levar uma vida de oração e ascetismo, também cumpriam algumas funções sociais e acadêmicas – eles promoviam obras de caridade e assistência a pobres, órfãos e viúvas; eram médicos e curandeiros; eram historiadores, cronistas, teólogos e naturalistas. Muitos também eram artistas, especializados em iluminuras, pinturas e composição musical e, ainda, vários proviam educação ao povo, como no caso das escolas públicas organizadas pelo monge inglês Alcuíno de York na França do século IX.
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Não raro, muitos monges eram ex-soldados que, arrependidos, buscavam no monacato um meio de expiar seus pecados ou aproximar-se de Deus.

Os monges e a campanha
Em uma campanha de fantasia medieval, monges podem cumprir várias funções.

Erudito/sábio - como vimos acima, durante a Idade Média na Europa Ocidental, muitos mosteiros se tornaram centros de saber, famosos por suas vastas bibliotecas e coleções de manuscritos; não raro, muitos monges medievais se tornaram sábios e acadêmicos respeitados durante suas vidas, atuando como historiadores, cronistas, acadêmicos, naturalistas, tradutores ou conselheiros de reis e governantes. Muitos monges eruditos viajavam para melhor observar o assunto de seus estudos, e monges historiadores ou cronistas teriam um motivo perfeito para acompanhar grupos de aventureiros. Como exemplo de monges eruditos podemos citar São Beda, o Venerável; o acadêmico Alcuíno de York; ou o monge-detetive Irmão Cadfael, criado pelo escritor Peter Ellis.

Médicos/curandeiros - muitas ordens monásticas medievais tinham tradição de estabelecer hospitais para cuidar de doentes, pobres e peregrinos; esse costume surgiu na parte oriental do Império Romano a partir do ano 325 d.C., quando a Igreja Cristã Ortodoxa determinou que um hospital fosse construído em cada cidade onde houvesse uma sé episcopal. Talvez um dos mais famosos hospitais medievais tenha sido o hospital monástico fundado no início do século VII para atender a peregrinos cristãos da Terra Santa e que funcionou até 1035, quando foi destruído pelo califa muçulmano Tariq Al-Hakim. Muitos hospitais estavam ligados a mosteiros; alguns atendiam à população em geral, enquanto outros tinham propósitos específicos – leprosários ou hospitais de peregrinos.

Freis - ao contrário de outras ordens monásticas, que normalmente vivem em clausura monástica, freis vivem a serviço de uma comunidade, principalmente pregando, catequizando, realizando obras de caridade junto aos pobres, viúvas e órfãos, e servindo como ministros de suas comunidades. Grande parte dos frades é itinerante. Em um grupo de aventureiros, freis poderiam servir como capelães dos PC’s, do mesmo modo que Frei Tuck, um frade franciscano, servia o grupo de Robin Hood.

Na segunda parte desta postagem, apresentarei uma nova classe de personagem, baseada nos monges ocidentais descritos acima.
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